Num mundo globalizado, digital e de alta concorrência empresarial, é comum que as companhias adotem a cláusula de não-concorrência (CNC) – famosa pelo nome em inglês, non-compete clause – para proteger estratégias, ideias e segredos industriais. No Brasil, a inclusão desse ponto no contrato de trabalho ganhou espaço com a flexibilização permitida pela Reforma Trabalhista de 2017 e vem crescendo.
O assunto voltou a chamar atenção em julho de 2021, quando o presidente americano Joe Biden assinou uma ordem executiva para que a cláusula seja limitada ou banida nos Estados Unidos – CNCs são utilizadas por cerca de 50% dos negócios privados, de acordo com estimativas da Casa Branca. O objetivo é estimular a competição e remover barreiras para o crescimento econômico.
A CNC nada mais é do que um item no contrato de trabalho de um funcionário que o impede de trabalhar para a concorrência (como contratado ou autônomo), exercendo atividade semelhante, por um certo período de tempo após sua rescisão. “Quando uma empresa cria um produto, ela enfrenta uma série de dificuldades para entrar no mercado – é preciso promover, criar mercado e distribuir – e, depois disso, o cenário se torna mais fácil para outras empresas”, diz Jayme Petra de Mello Neto, coordenador jurídico do escritório Marcos Martins Advogados. “A CNC é uma forma de preservar a atividade e o lucro da companhia.”
Por terem acesso a informações privilegiadas, executivos são os que mais lidam com a restrição, mas não os únicos. Funcionários com cargos hierárquicos mais baixos atuando em áreas que demandam conhecimentos específicos do mercado de clientes, com potencial de atrair a clientela caso se desligue da empresa, também são afetados.
Em todos os casos, o afastamento compulsório do mercado deve vir acompanhado de pagamento. “Paga-se pelo período em que o trabalhador fica no banco de reservas”, resume Mello Neto.
Prós e contras
Para a empresa, a cláusula de não-concorrência evita que informações privilegiadas cheguem até a concorrência, aumentando a confiança e a segurança no compartilhamento de informações. Para o funcionário, é uma via de mão dupla: se por um lado, o trabalhador sai por um tempo do foco do mercado (e, dependendo do tempo, deixa de ser a bola da vez), por outro, é protegido pela previsibilidade de manter uma segurança financeira.
“A quarentena remunerada pode ser interessante ao ex-empregado, pois o padrão financeiro será mantido durante o período de não competição, momento no qual ele poderá exercer outras atividades profissionais não concorrentes ou, ainda, buscar recolocação profissional com maior tranquilidade”, acredita Juliano Castro, advogado do escritório Santos Bevilaqua e autor de uma tese de mestrado sobre o assunto. “O empregado, por isso, deve avaliar com cautela se o valor a ser recebido será suficiente para compensar a restrição ao mercado de trabalho que decorre da CNC”, completa Maury Cequinel, advogado trabalhista da Andersen Ballão Advocacia.
O impacto da cláusula, porém, nem sempre é positivo – daí a posição do presidente Joe Biden. De acordo com um estudo de 2019 da Universidade de Utrecht, na Holanda, a criação e o crescimento de companhias inovadoras podem ser comprometidos pelas CNC, assim como a difusão de novos conhecimentos que elas promovem. “O efeito macroeconômico provavelmente será negativo por causa das restrições microeconômicas à mobilidade no mercado de trabalho”, descreve a pesquisa.
Para ficar atento
Mesmo depois da reforma trabalhista de 2017, a legislação brasileira não inclui nada específico sobre a cláusula de não-concorrência. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), contudo, define a não-concorrência como uma obrigação na relação de trabalho.
Para a tomada de decisões judiciais sobre o tema, combina-se artigos da CLT, do Código Civil, da Lei de Propriedade Industrial e da jurisprudência vigente. “Em meu trabalho de mestrado, mapeei basicamente todas as decisões judiciais no Brasil sobre CNC e observei que as cláusulas de não-concorrência são muito bem recebidas desde que sejam bem delimitadas e razoáveis”, detalha Castro.
Isso significa que, se existe cláusula de não-concorrência no contrato, o profissional deve ficar atento a três pontos: limitação geográfica da restrição (local, nacional, mundial); delimitação temporal; pagamento de compensação financeira específica. O prazo e a região não podem ser abusivos e o valor a ser recebido deve garantir o sustento do profissional. Se a CNC for considerada abusiva, a empresa pode ser obrigada a liberar o ex-funcionário da obrigatoriedade de cumprimento, além de ter que indenizá-lo.
“Já vi casos em que um colaborador assinou contrato com uma cláusula de não-concorrência que o impedia de desenvolver softwares por um longo período, mas o colaborador era justamente, um desenvolvedor”, conta Lorena Lage, advogada e co-fundadora do escritório L&O. “Neste caso, uma cláusula genérica e irrazoável impedia o profissional de exercer sua atividade laboral como um todo, o que é abusivo e desproporcional. O ideal era delimitar que tipo de software, linguagem e informações específicas ele tinha como conhecimento privilegiado e que ele deveria respeitar para não gerar danos à empresa.”
Outro problema comum é em relação ao momento em que a CNC é adicionada ao contrato. “Se a empresa a inclui após a contratação, ela se torna uma alteração lesiva por ser uma imposição desconhecida no início da relação”, explica Manoela Pascal, sócia da área trabalhista do escritório Souto Correa. “Se há, contudo, uma promoção, e o funcionário adquire novas funções e acesso a segredos do negócio, a alteração no contrato pode ser feita.”
Além disso, o Tribunal Superior do Trabalho dificilmente aceita a cláusula de não-concorrência para cargos comuns e não-estratégicos, já que o potencial de desvio de clientela é pequeno. Outro motivo para invalidar uma CNC é a comprovação de que o trabalhador não entendeu o conteúdo ou de que foi pressionado a assiná-la. O profissional também pode estar sujeito a multas – que devem estar previstas no contrato – caso não cumpra os compromissos relacionados à não-concorrência.
Fonte: Economia Uol (https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/08/03/clausula-de-nao-concorrencia-quanto-vale-a-exclusividade-profissional.htm)
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