Conversamos com a perita contábil Cláudia Laranja Marranghello para entender o cenário atual das mulheres na contabilidade. Confira!
Dupla, por vezes, tripla jornada de trabalho e poucas oportunidades nos cargos de liderança. Estas são algumas batalhas que as mulheres na contabilidade ainda enfrentam. Contudo, nem tudo está perdido. Há um avanço considerável da presença feminina no setor contábil.
Em 1996, por exemplo, elas representam somente 25,5% dos profissionais. Nesta época, era comum entrar no curso de contabilidade e só avistar homens na sala de aula. Também era comum perceber que os escritórios contábeis eram predominantemente formados por homens. Felizmente, a igualdade na participação foi conquistada. Em 2018, elas já representavam 42,79% dos profissionais.
Mas será que todas as batalhas já foram ganhas para que as mulheres na contabilidade possam exercer suas profissões com total igualdade de gênero? É o que decidimos conversar com a Cláudia Laranja Marranghello, perita contábil, professora e sócia da Laranja&Marranghello Peritos Consultores, em Porto Alegre (RS). O resultado deste bate-papo você pode conferir abaixo!
Os desafios das mulheres na contabilidade
Abertura Simples: Nos últimos anos, as mulheres tiveram um crescimento significativo na contabilidade. Em 1996, por exemplo, elas representavam apenas 25,5% do total de profissionais. Já em 2018 elas passaram para 42,79%. Em sua opinião, quais foram os motivos que proporcionaram essa maior participação no setor contábil?
Cláudia Laranja Marranghello: Adorei esta pergunta! Eu entrei na faculdade de contábeis na PUC/RS em 1988, me formei em 1994, e nesta época realmente eu tive a noção que era um ambiente 100% masculino. Por exemplo: em uma turma de 40 alunos, apenas oito mulheres. Mas não só isso. Nesta época não tínhamos um público jovem, a maioria tinha em torno de 40 anos, já eram alunos formados em técnico em contabilidade que estavam buscando o seu diploma em graduação.
Na década de 80 muito pior. Foi quando meu pai se formou em Contábeis e eu tinha 10 anos. Ele já era técnico e podia assinar balanço, mas como o sonho dele era ter uma graduação buscou também a faculdade de contábeis. Na formatura do meu pai, eu não vi nenhuma mulher e isso me espantou naquela ocasião. Também não havia nenhuma juventude presente.
Mais recentemente presenciei novamente toda esta experiência com meu filho, pois em 2012 ele entrou para faculdade de contábeis e tudo mudou. Público 100% jovem e mais da metade da turma era formada por mulheres, o que me espantou novamente.
Agora as conclusões:
Até 1970 – muitas mulheres só se dedicavam ao lar, marido, filhos e família, pois esse era o papel que era ensinado pela sociedade e pelos próprios pais. A aceitação era o caminho, claro que na época já existiam manifestos e mulheres revoltadas com esta submissão e falta de oportunidades e respeito, mas o tudo acaba que igualando este mecanismo, mostrando que essa linha ou tendência seria a correta.
A partir de 1980 as mulheres já passaram a ter outra educação, pois as nossas mães já nos educaram, mostrando toda a frustração que elas passaram por não ter tido a oportunidade de uma carreira, por causa do machismo dos maridos e da sociedade. Comigo foi assim, ou seja, eu fui criada para ser uma profissional e não uma administradora do lar.
Sendo assim, acho que a geração de 1980 foi a precursora desta mudança, dizendo não para a vida que nossas mães levaram, pois a gente já tinha a consciência que era um ‘desperdício’ as nossas mães ficarem o dia inteiro só limpando a casa, fazendo comida, cuidando de nós e administrando o lar.
Por outro lado, quando os pais voltavam para casa, contando as histórias sobre o seu trabalho podíamos ver os olhos brilhando e os próprios conselhos que as mesmas apresentavam para o dia-a-dia de nossos pais.
Toda mãe do lar já tinha diversas profissões que eram praticadas no seu dia-a-dia, dentro de casa, que não eram apreciadas tais como: psicóloga, chef de cozinha, arquiteta, designer, contadora, especialista em finanças, professora, médica e enfermeira muitas vezes
Quando as mulheres se deram conta disso, já era tarde para elas, mas não para as suas filhas. Então, foi estes conselhos que essas maravilhosas de 1946, começaram devagarinho a fazer e formar e educar mulheres independentes e aos poucos as novas gerações descobrindo que não existem profissões femininas e masculinas, mas sim a profissão que eu quero atuar e me preparar. E é claro que com todo o crescimento populacional, o avanço do movimento da mulher, sociedade como um todo, e principalmente homens modernos educados por estas mães empreendedoras e que tudo começou a mudar.
Claro, que ainda enfrentamos muitos problemas e discriminações e desigualdades, mas pouco a pouco estamos fazendo esta mudança.
Abertura Simples: O aumento da participação das mulheres já é uma luta praticamente ganha, certo? Então, neste momento, quais são as outras barreiras que as mulheres contadoras enfrentam por conta da desigualdade de gênero?
Cláudia Laranja Marranghello: Infelizmente ainda enfrentamos o machismo, mas não só de homens, mas das próprias mulheres. Eu ainda chego em reuniões e ambos os sexos me questionam… “Nossa, eu achei que tu eras uma pessoa diferente de óculos grossos etc…”
Além disso, ainda enfrentamos a problemática da maior dádiva que possuímos que é de ‘dar à luz’, então na hora da contratação ainda somos discriminadas, pelas possíveis ausências que teremos por causa dos filhos, principalmente na área de auditoria, que tem demanda de muitas viagens.
Abertura Simples: Segundo o IBGE, as mulheres trabalham, em média, 10,4 horas a mais que os homens. Ou seja, elas acabam lidando com dupla, às vezes, tripla jornada de trabalho. O desafio é encarado por mulheres de diversas profissões. Isso também é um problema para as contadoras?
Cláudia Laranja Marranghello: Sim, mas hoje a gente tem a opção de ter um companheiro moderno, ou seja, teremos tripla jornada sim, mas com alguém com quem podemos dividir as tarefas.
Há homens ainda que não têm esta consciência, mas hoje a mulher tem a opção de perceber que este convívio é prejudicial a ela. Antigamente, a gente tinha que ficar com o marido até o final até porque ele que nos sustentava. Agora não temos mais essas barreiras, então nos dias de hoje é inaceitável tal prática.
Abertura Simples: Em relação às mulheres em cargos de liderança no setor de contabilidade, há algum tipo de pesquisa ou estudo que apresenta um panorama? Caso não, como você observa o cenário?
Cláudia Laranja Marranghello: Não tenho conhecimento sobre algum estudo específico, mas observo que este cenário para a contabilidade ainda é muito masculino, principalmente no nível de liderança.
Cenário muito ruim ainda para nós mulheres, diferente do judiciário que hoje já é uma realidade contar com mais juízas e desembargadoras no mercado, mas na maioria das empresas que tenho conhecimento, a liderança na parte da gestação da governança corporativa ainda masculina.
Abertura Simples: Quais recomendações você poderia compartilhar com as contadoras?
Cláudia Laranja Marranghello: Recomendo a educação continuada, pois a preparação é o melhor caminho para a mulher. Além disso, é importante não seguirmos os passos dos homens, ou seja, não agirmos como os homens.
Não acho legal, por exemplo, em um processo seletivo da área, só por sermos mulheres, aceitarmos somente o sexo feminino, no intuito de dar uma lição nos homens. A seleção tem que vir de forma natural, e que vença a melhor qualificação.
Queremos buscar o nosso espaço no mercado, mas sem esquecer que somos mulheres e não podemos deixar nossa essência. A mulher é conhecida por ser mais atenta, minuciosa e ser multitarefa, mas muitas vezes queremos tanto nos igualar aos homens que acabamos perdendo estas nossas qualidades diferenciais. Por isso, fica a dica.
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